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Fazenda descobre “brecha” para taxar fintechs e pode encarecer serviços e crédito online

Fazenda descobre “brecha” para taxar fintechs e pode encarecer serviços e crédito online

O novo pacote tributário apresentado pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, como alternativa ao aumento do IOF, representa um revés significativo para as fintechs — empresas que usam tecnologia para oferecer serviços financeiros, como bancos digitais, pagamentos eletrônicos e crédito online. Nelas, o governo descobriu uma brecha para aumentar a arrecadação do sistema financeiro, num movimento que pode reduzir o acesso a serviços bancários virtuais e encarecer o custo do crédito.

A proposta de Haddad prevê a eliminação da alíquota reduzida de 9% da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), atualmente aplicada a essas empresas. Com isso, elas passarão a ser tributadas nas mesmas faixas dos grandes bancos, entre 15% e 20%. Na prática, a equiparação representa um aumento de até 6 pontos percentuais na carga tributária das fintechs.

A medida gerou forte preocupação entre analistas e representantes do setor, que temem perder competitividade frente aos "bancões". “É um tiro certeiro, direcionado ao setor”, avalia Diego Perez, presidente da ABFintechs, entidade que representa cerca de 800 empresas. “Penaliza empresas que estão tentando ocupar seu lugar ao sol, competir com os grandes bancos e entregar inovação com baixo custo.”

André Charone, sócio do escritório Belconta e professor do Centro Universitário Metropolitano da Amazônia (Unifamaz), argumenta que a proposta desconsidera as particularidades do setor digital e impõe obstáculos adicionais tanto às empresas quanto aos consumidores. “Em vez de discutir um plano tributário justo e moderno para o setor digital, o governo prefere igualar pela alíquota, ignorando diferenças de estrutura e função”, diz. “É uma visão simplista e arrecadatória, que pode sufocar a inovação.”

Para Luís Garcia, sócio do Tax Group e do MLD Advogados Associados, "a unificação do tratamento tributário pode inviabilizar modelos de negócio específicos das fintechs".

Além disso, segundo dados da Zetta — associação que reúne as principais fintechs do país —, os balanços de 2024 indicam que, mesmo com alíquotas nominais menores, essas empresas pagam proporcionalmente mais impostos que bancos, considerando alíquotas efetivas que chegam a 34%. “A tentativa de ‘equalizar’ a tributação ignora essas diferenças estruturais, penaliza a inovação e ameaça a inclusão financeira”, reforça a entidade.

Fintechs tiveram expansão meteórica

As fintechs surgiram no Brasil no início dos anos 2000, inspiradas em modelos internacionais e nas primeiras ondas de digitalização bancária. A ideia era apresentar uma alternativa ao sistema financeiro tradicional, oferecendo soluções ágeis, acessíveis e centradas na experiência do usuário.

Num mercado concentrado, iniciativas pioneiras começaram a chamar atenção, especialmente em nichos como meios de pagamento e crédito digital.

A chave para a expansão veio a partir da década de 2010, quando o Banco Central iniciou um processo de regulamentação progressiva, com publicação de normas específicas para instituições de pagamento.

Em 2013, a formalização de empresas como PagSeguro, Mercado Pago e Stone — que passaram a operar legalmente no ecossistema financeiro sem a necessidade de se enquadrar como bancos — promoveu uma transformação no setor.

Seguiu-se o lançamento de empresas como Nubank, Neon e Banco Inter, em que contas digitais gratuitas, cartões de crédito sem anuidade e serviços prestados 100% online se tornaram realidade para milhões de pessoas.

A lógica digital democratizou o acesso a serviços bancários e o crescimento foi expressivo: em 2015, o Brasil tinha cerca de 50 fintechs; em 2020, eram mais de 700; em 2025, o número já se aproxima de 2.000, segundo a A&S Partners.

O avanço do setor foi acompanhado por novas ondas regulatórias. Entre os destaques estão a criação do sistema de pagamentos instantâneos (Pix), o avanço do Open Finance e a consolidação do modelo de Sociedade de Crédito Direto (SCD), que deu mais segurança jurídica às fintechs que operam crédito próprio.

Estrutura enxuta promoveu bancarização

Mesmo com uma fatia menor da carteira de crédito — dominada pelos grandes bancos, que concentram aproximadamente 70% do volume —, as fintechs desempenharam papel fundamental na ampliação da concorrência e na promoção da inclusão financeira no Brasil.

De acordo com o último Relatório Anual de Economia Bancária do Banco Central, cerca de 60 milhões de pessoas passaram a acessar serviços financeiros por meio dessas plataformas digitais — incluindo contas correntes, cartões de crédito gratuitos e crédito personalizado.

Diego Perez ressalta que elas se destacaram por oferecer serviços eficientes e acessíveis, muitas vezes gratuitos, por meio de plataformas digitais que dispensam a necessidade de agência física. “Pessoas em áreas remotas ou periféricas passaram a acessar serviços financeiros via smartphone, o que ampliou significativamente o alcance dessas soluções.”

Essas empresas operam com margens reduzidas, o que possibilita a oferta de produtos sem tarifas ou anuidades. “A estrutura mais enxuta tem sido o caminho para competir com grandes bancos, que continuam cobrando tarifas de seus clientes”, diz.

A proposta do governo, no entanto, tende a dificultar a expansão da bancarização e a reduzir a oferta de alternativas aos serviços tradicionais, encarecendo o acesso e limitando o alcance dessas soluções. “O objetivo de tornar as finanças mais acessíveis a todos, conforme previsto na agenda do Banco Central, pode se tornar mais difícil de ser alcançado”, alerta Perez.

Em contraparida, o presidente da ABFintechs acredita que a medida terá impacto limitado sobre a arrecadação e não contribuirá para um equilíbrio no setor. Segundo ele, mais da metade dos serviços financeiros atualmente disponíveis — como pagamentos e contas — também seguem concentrados nos grandes bancos, o que não torno o aumento tão significativo para o governo.

“Nesse contexto, penalizar justamente a minoria — as fintechs — enquanto se mantém as alíquotas inalteradas para os grandes bancos, não vai "mexer o ponteiro"", avalia. "Ou seja, não haverá um resultado efetivo no curto ou médio prazo ao aumentar a carga sobre os pequenos.”

Mercado prevê aumento do custo do crédito

Para os usuários ou clientes, os analistas preveem um reflexo direto no aumento do custo do crédito, em um cenário já marcado por juros elevados e altos índices de inadimplência. “O aumento dos impostos pode reduzir a vantagem competitiva das fintechs e levar a uma menor oferta de crédito informal, afetando sobretudo os tomadores de renda mais baixa”, alerta Carlos Braga Monteiro, CEO do Grupo Studio.

André Matos, CEO da MA7, diz que, inevitavelmente, parte desse aumento será repassado ao consumidor final, com consequências para os mais vulneráveis. “A tendência é de encarecimento do crédito, justamente num momento em que se precisa ampliar o acesso, especialmente para pequenos empreendedores e pessoas com menor score. Em um mercado já concentrado, essa mudança pode significar um retrocesso em termos de inclusão financeira”, afirma.

Para as empresas, segundo representantes do setor, a consequencia temida é a perda de fôlego, limitação sua capacidade de crescimento e estagnação da base de clientes. "Isso comprometeria a expansão de serviços financeiros e enfraqueceria a dinâmica de concorrência e eficiência que o setor vem promovendo", diz Peres.

Para impedir o cenário, além da ABFintechs, outras entidades têm articulado ações junto ao governo federal. Os representantes acreditam que ainda existe uma janela ara tentar modificar o conteúdo da proposta antes de sua formalização.

Caso a medida seja de fato publicada, o foco passará a ser o Congresso Nacional. As entidades já iniciaram conversas com parlamentares ligados às frentes da inovação, da tecnologia, da competitividade e de bancadas de oposição ao governo em busca de apoio político.

“Queremos evitar um aumento abrupto de impostos que comprometa a competitividade das fintechs”, diz Perez. Caso não possa ser evitada, as associações defendem que a tributação seja feita, ao menos, de forma gradativa e precedida de um amplo diálogo com o mercado.

“O que buscamos é tempo e espaço para construir uma alternativa que não comprometa a inclusão financeira e a inovação que conseguimos promover nos últimos anos", conclui.

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